08 Março 2023
No altar, usando paramentos sagrados, Marko Rupnik concelebra a missa na Basílica de Santa Prassede em Roma, a poucos metros de Santa Maria Maggiore.
A reportagem é de Federica Tourn, publicada por Domani, 06-03-2023.
São nove da manhã de domingo, 5 de março, e a equipe do Centro Aletti está nas primeiras filas: a diretora Maria Campatelli, Michelina Tenace, as artistas Eva Osterman e Maria Stella Secchiaroli, os jesuítas Milan Žust e Andrej Brozovic; Alberta Putti, professora de teologia dogmática na Pontifícia Universidade Gregoriana rege o coro.
Atrás da equipe estão os sacerdotes e leigos que frequentam o centro e os garotos e as garotas que gravitam em torno do ateliê de teologia. O jesuíta argentino Matias Yunes profere a homilia, ele também cresceu no Centro Aletti.
Rupnik concelebra entre os outros sacerdotes e impõe as mãos no momento da Eucaristia, apesar das restrições impostas a ele por seu superior maior, o padre Johan Verschueren, e que lhe proíbem, entre outras coisas, “qualquer atividade ministerial e sacramental pública".
Marko Rupnik, teólogo e artista conhecido em todo o mundo, está de fato no centro de uma investigação iniciada pelos jesuítas após as acusações de abusos contra numerosas mulheres consagradas.
As restrições contra ele já estavam em vigor antes do escândalo vir a público, em dezembro passado, e foram reafirmadas em um comunicado oficial divulgado em 21 de fevereiro pela Dir, a Delegação para as casas e obras interprovinciais romanas da Companhia de Jesus.
Disposições que, no entanto, não parecem incomodá-lo visto que, pelo menos até 22 de janeiro, ele pregava na própria Santa Prassede e, há poucos dias, estava na basílica de São João de Latrão para ilustrar a um grupo visitante os mosaicos por ele realizados na capela do pontifício seminário maior.
Várias vezes convocado por seu superior, ele nem apareceu para dar sua versão sobre as acusações de abuso, como o próprio Verschueren declarou no comunicado de imprensa da Dir sobre o trabalho da equipe criada especificamente para recolher as denúncias das vítimas. Não só isso: segundo fontes internas, Rupnik continua trabalhando às escondidas também no Vicariato de Roma.
O Centro Aletti, por sua vez, se fecha em torno de seu mentor: em 28 de fevereiro divulgou uma "carta aos amigos", na qual ressalta que, enquanto espera que a verdade "se revele", o trabalho eclesial e artístico do centro não para.
"“Após longos anos de tutoria", escreve a diretora Maria Campatelli, "o ateliê é hoje dirigido por uma equipe gestora capaz de assumir a responsabilidade por um canteiro de obras tanto do ponto de ponto de vista teológico-litúrgico e artístico-criativo quanto do ponto de vista técnico-administrativo. Isso nos permite atender a todos os compromissos assumidos até agora e assumir outros novos”. Nem uma palavra sobre as mulheres abusadas pelo jesuíta, apesar da investigação da Companhia já ter apurado a confiabilidade dos testemunhos recebidos – pelo menos 15 pessoas, das quais 13 mulheres e dois homens.
Se por um lado há silêncio absoluto sobre as vítimas, por outro é clara a intenção do Centro Aletti de levar adiante a obra de Rupnik, ainda que de forma eclesial.
Mas é possível separar a comunidade da via Paolina de seu fundador, quando as pessoas que hoje a animam não tomam distâncias de um sacerdote excomungado latae sententiae por ter absolvido em confissão uma mulher com quem teve uma relação sexual (excomunhão depois revogada), e que já foi objeto de procedimento eclesiástico no Dicastério para a Doutrina da Fé justamente por abusos?
O círculo mágico em torno de Rupnik é formado por fiéis (e sobretudo mulheres fiéis) que se formaram com seus ensinamentos e sob sua influência: Maria Campatelli, Michelina Tenace, Manuela Viezzoli são todas ex-freiras da comunidade Loyola que seguiram o padre Rupnik no momento do rompimento com Ivanka Hosta, em 1994, após a fuga de uma freira da comunidade na Eslovênia.
Lembramos também que alguns dos abusos ocorreram dentro do centro Aletti, entre os quais a relação a três do jesuíta com duas jovens irmãs da comunidade Loyola na década de 1990 (conforme publicamos no Domani em 18-12-2022).
Muitas coisas ainda precisam emergir da história do centro de Aletti, essa república no coração da cúria romana que parece ignorar não apenas as investigações em andamento dos jesuítas, mas também as palavras do papa. Francisco, aliás, em entrevista ao Ap declarou que ter ficado "ferido" com o que surgiu sobre Rupnik e acrescentou que sempre desconheceu a história.
Uma afirmação que na verdade não convence, porque é difícil imaginar que o pontífice não soubesse da remissão de uma excomunhão que era de competência apenas da Santa Sé. Muitos mistérios bem guardados, mas o futuro do Centro Aletti está longe de ser dado como certo se, como afirma uma de nossas fontes, um dossiê de mais de mil páginas está no momento depositado no Dicastério para a Doutrina da Fé.
Rupnik, contatado pelo Domani no final da missa, não quis responder.
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Apesar das acusações de abusos e das restrições, Rupnik concelebra uma missa em Roma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU